quinta-feira, 18 de junho de 2009

Não era pra ser um blog de quadrinhos?

Quem acompanha esse blog sabe que eu estou prometendo uma história em quadrinhos nova há mais de um mês. Tenho que confessar: ainda não terminei. Então vou por mais um continho besta para vocês irem se distraindo.


CAPOTA CONVERSÍVEL

Havia chegado à conclusão de que seu cabelo era realmente ridículo. A verdade é que estava ficando careca e, já há algum tempo, usava os fios um pouco mais longos na frente para tapar a testa, que era algo mais ou menos do tamanho da pista de pouso do aeroporto de Congonhas. Penteava os fios de forma a ficarem coesos e compactados, formando uma espécie de escudo frontal, mas até a mais tímida brisa suspendia a franja, num curioso movimento de sobe e desce. Resultado: ficou conhecido como “Capota Conversível”. Mesmo tendo deixado clara a sua desaprovação, ou talvez justamente por isso, o apelido pegou e as pessoas praticamente se esqueceram do seu nome de batismo.

- Grande Capota! Como vai essa força?
- Fala, Capota! Quanto ficou o jogo?
- Capota, você já atualizou os relatórios do Almeida?

Deixar o cabelo maior na frente para disfarçar a calvície é o tipo de truque fajuto que se espera de um senhor de idade desprovido de autocrítica, mas ele era um cara desprovido de autocrítica de apenas vinte e oito anos e aquele arranjo capilar móvel parecia definitivamente não pertencer à sua cabeça. Sempre suspeitou que fosse mesmo ridículo, mas se recusava a aceitar a verdade, mesmo diante das piadinhas, que, aliás, vinham ficando cada vez mais diretas – os apelidos, por exemplo, começaram com um sutil “Franjinha” e passaram por “Geraldo Alckmin” até chegar ao escandaloso “Capota Conversível”. Não podia mais (sem trocadilhos) tapar o Sol com a peneira. Seu cabelo já era oficialmente ridículo.

É claro que tinha a opção de resolver aquilo tudo simplesmente raspando a cabeça. Ou evitando ambientes abertos e salas com ventiladores de teto, alternativa que já vinha pondo em prática há algum tempo e que poderia até manter a franja imóvel, mas o impediria de voar de asa-delta pelo resto da vida. Bom, na verdade, nunca havia voado de asa-delta e nem pretendia fazê-lo. Mas e se mudasse de ideia? Chegou mesmo a cogitar o uso de uma peruca com adesivo especial, mas sentia que render-se à opinião alheia daquela forma mutilaria não só seu caráter como também sua hombridade e não estava disposto a dar o braço a torcer. Já havia começado aquilo e iria até às últimas consequências. Estava decidido. A capota permaneceria, mesmo com todos os contratempos inerentes.

De fato, olhando para trás, começou a notar que aquele penteado vinha-lhe fechando algumas portas na vida. Depois que o havia adotado, sua mulher saíra de casa, convites para reuniões sociais passaram a se extraviar misteriosamente e, nas festas de família ao ar livre, sempre era posto numa mesa solitária, atrás de um arbusto. Mas o pior de tudo mesmo foi a promoção na firma, que esperava há anos e lhe foi negada pelo Almeida sem a menor explicação e em meio a uma crise de riso.

Foi dormir com esses pensamentos fervilhando sob a capota, mas, na manhã seguinte, quando acordou e se olhou no espelho, tomou um susto: no lugar de seu cabelo habitual, estava uma vasta cabeleira loura, sedosa e brilhante, exatamente igual à do Fábio Assunção - galã cuja aparência admirava secretamente.

Mas como era possível?

Estariam, finalmente, fazendo efeito os cremes contra a calvície que vinha comprando há anos? Estranho... Nada nas embalagens indicava que os resultados apareceriam da noite para o dia, após anos a fio (sem trocadilhos) de uso diário. O aparecimento daquele cabelo não fazia o menor sentido. Chegou a pensar que alguém, talvez, tivesse entrado em seu apartamento enquanto dormia e já estava com a mão no telefone para chamar a polícia quando desistiu, temendo os comentários irônicos. Afinal, como explicar a existência de um delinquente que invade a casa de uma pessoa para violentá-la com um implante capilar? Já tinha problemas demais na vida para ser agora chamado de doido. Podia ser tudo, um imbecil desmotivado, um careca ridículo, um panaca mal vestido, tudo isso, mas doido não era. Respirou fundo, pôs a cabeça no lugar e resolveu pensar numa hipótese mais plausível. E se fosse um extraterrestre, por exemplo? Pior: e se fossem muitos? A ideia de uma gang de cabeleireiros de outro planeta abduzindo carecas da Terra para servirem de cobaias em testes de xampus antiqueda injetados através de uma sonda anal o teria levado ao desespero, não fosse aquele, sem dúvida, o cabelo mais maravilhoso que já tinha visto em toda sua vida, o cabelo de seus sonhos. E estava na sua cabeça!

Mas como diabos havia acontecido?

Resolveu deixar a solução do mistério para depois. Havia perdido um bom tempo no espelho e já estava atrasado para o serviço. Trocou-se às pressas e saiu correndo. No saguão do prédio, sentiu um frio na espinha quando deu de cara com o Seu Alípio, o síndico do prédio, coronel reformado senil, que ainda vivia no período da ditadura militar. Era a pior pessoa para se encontrar num momento de pressa. Oscar lembrou-se de seu último encontro com o velho gagá.

- O que é que tem nessa sacola aí?
- Na sacola? Hã... rabanetes...
- E o que pensa que vai fazer com isso?
- Bem...
- Fale logo!
- Eu... hã... uma sopa, eu acho...
- Como assim “eu acho”? Não tem certeza?
- É que eu estou em dúvida entre sopa e salada...
- Está escondendo alguma coisa.
- Olha, o senhor não tem o direito de...
- Calado! Esvazie o conteúdo da sacola e mãos na parede, sua maldita bicha vermelha!

A verdade é que o velho coronel sempre o vira com desconfiança, devido, principalmente, a seu cabelo ridículo. Estava convencido de que se tratava de um homossexual comunista e por isso vivia cercando-o com interrogatórios pelos corredores. Naquela manhã, Oscar já estava preparado para mais uma dura daquelas, mas ouviu apenas o síndico dizer-lhe “bom dia”. E não foi um simples “bom dia”, foi um bom dia acompanhado de um leve aceno com a cabeça, o que, para os padrões do Seu Alípio, era praticamente um beijo de língua. Ao passar pela recepção, o porteiro ainda fez a gentileza de sair da cadeira onde ouvia seu radinho de pilha para abrir-lhe a porta. Era a primeira vez que aquilo lhe acontecia desde que se mudara para o condomínio. Naquele momento, entretanto, sequer prestou atenção ao fato insólito, preocupado que estava em inventar uma desculpa na firma para seu atraso. Não poderia contar a história do cabelo. Mesmo que todos na firma o vissem em todo seu esplendor, não acreditariam que havia nascido de uma hora para outra na cabeça de Oscar e ainda pensariam que o motivo de seu atraso era uma visita ao cabeleireiro. Portanto, teria que mesmo que mentir e desta vez teria que ser criativo, já que, só no último mês, havia matado vários parentes e o departamento pessoal já começava a desconfiar do falecimento recente de sua quinta avó materna.

Pensando em se justificar pondo a culpa no transporte público, ganhou a rua e, ao passar por um grupo de mocinhas adolescentes, ouviu risinhos abafados. Checou o zíper. Tudo em ordem. Não entendeu nada. “Coisas da idade”, pensou, enquanto elas se afastavam suspirando. Não. Problema com transporte público era uma desculpa muito manjada. Não ia funcionar. Precisava de uma desculpa que viesse com álibi. Uma doença, por exemplo. Atestado médico é o álibi perfeito. Ninguém contesta um atestado médico. Poderia até comprar um, não era tão difícil, mas não queria que pensassem na firma que estava doente. Poderiam achar que estava incapacitado e ninguém dá uma promoção a um incapacitado. Pior: poderiam mandar os Doutores da Alegria à sua casa, como fizeram com o Válter do almoxarifado, que cometeu o erro de apresentar atestado médico. Ao que parece, teve sérios problemas para se livrar da trupe de palhaços, que continuou visitando sua casa, mesmo depois que melhorou da gripe.

Excluída a opção do atestado médico, Oscar entrou na padaria aos tropeções e pediu um pingado. Depois de alguns minutos, olhou o relógio com impaciência e começou a achar que seu pedido já estava demorando demais. Virou-se para reclamar com o gordo da padaria e notou-o parado, com cara de bobo, segurando o copo. “Nossa, que cabelo bonito”, disse. E quando entregou o pedido, ainda fez questão de roçar seus dedos na palma da mão de Oscar, de maneira insinuante. Mas ele estava mesmo muito distraído com a elaboração de suas desculpas porque pagou, saiu e nem chegou a perceber o biquinho molhado do gordo enquanto dizia algo que pareceu ser “eu te amo”.

Foi para o ponto de ônibus e ali finalmente pôde parar e tomar fôlego. Se tivesse sido assaltado seria uma boa desculpa. Bom, mas aí teria que apresentar uma cópia do boletim de ocorrência e isso não seria nada fácil de arrumar. A não ser que conseguisse ser assaltado de verdade, mas aí corria o risco de morrer baleado ou, o que seria lamentável, ficar sem seu celular. De repente, sentiu alguma coisa tocar-lhe a cabeça. Virou-se e deu com uma senhora de uns setenta anos mexendo em seu cabelo. Pensou em perguntar quem era ela e o que diabos pretendia com aquilo, mas não disse nada. Era muito simpática e, além do mais, parecia-se muito com sua avó. Acabou cumprindo todo o trajeto do ônibus com uma idosa desconhecida fazendo-lhe cafuné. Os demais passageiros ficaram sensibilizados ao ver aquela cena de carinho entre mãe e filho, mas, quando chegou o ponto de Oscar, a velhota se recusou a soltar seu cabelo e ele, sem perceber, foi se levantando afobado e só depois foi ver que estava arrastando uma senhora de setenta anos pelo corredor do lotação. Todos se revoltaram. Oscar foi quase linchado. O cobrador pegou-o pelo colarinho e um senhor arremessou-lhe um embrulho com 350 gramas de mortadela fatiada. Só conseguiu escapar porque, de repente, todos ficaram parados com cara de besta dizendo “que cabelo bonito”. Poderia usar aquele incidente como desculpa na firma. O único problema é que ninguém acreditaria. Ele mesmo achava aquilo muito estranho, mas, naquela hora, não tinha tempo de pensar a respeito.

O que realmente o preocupava era o Almeida, que considerava qualquer mínimo atraso uma ofensa pessoal e, provavelmente, já tinha se decidido por alguma punição cruel, talvez uma sessão de vídeos motivacionais ou alguma dinâmica de grupo em que fosse obrigado a dançar uma polka de maiô. Para escapar daquela situação, sua única chance era arrumar uma boa desculpa. Ou entrar na firma sem ser visto e se misturar aos demais funcionários. Talvez desse certo. Foi logo falar à recepcionista, com a pasta sobre o rosto para que ninguém o reconhecesse.

- O Almeida já chegou?
- O senhor poderia, por favor, tirar esta pasta do rosto e se identificar?
- Ah, tá, desculpa. Sou eu, Selma.
- Sou eu quem? Não estou reconhen... Nossa, que cabelo bonito.
- Hã? Ah, é... Apareceu hoje.
- Quê?
- Nada, nada. O Almeida está na área?
- Posso tocar?
- Tocar?
- O seu cabelo? Posso tocar?
- Hã... pode, pode. Escuta, é caso de vida ou morte. Eu preciso saber se o Almeida já está na firma.
- Nossa, é tão macio e sedoso...

Desistiu da recepcionista e, com a pasta ainda sobre o rosto, resolveu ir discretamente até sua mesa. Com sorte chegaria sem chamar a atenção e ninguém perceberia seu atraso. Mas foi frustrado em suas intenções. A pasta tapava o rosto, mas deixava o cabelo à mostra e todos pararam para vê-lo.

- Quem é o novato?
- Não sei, mas tem um belo penteado.
- Poxa, eu queria ter um cabelo desses.
- Olha como é sedoso e bonito.
- Será que ele usa condicionador?
- Isso é que é cabelo, o resto é conversa.
- Vamos convidá-lo para o happy hour depois do expediente?
- Ei, você aí!

Logo estava cercado pela turma do escritório. Ficou paralisado. Não tinha mais jeito, havia sido pêgo. Agora todos sabiam de seu atraso, que, pelas suas contas, já beirava os cinquenta e sete minutos. Quando aquilo chegasse aos ouvidos do Almeida, estaria perdido. Fechou os olhos e ouviu a voz dele trovejar dentro da cabeça.

- Muito bonito, hein.

Abriu os olhos e viu que não era imaginação. O Almeida estava ali mesmo, bem na sua frente. Oscar começou a suar frio. Fez-se um silêncio ao redor e todo mundo foi saindo de fininho.

- O que pensa que está fazendo aí parado?
- Eu... hã... bem...
- Quero você na minha sala. Agora!

Bom, estava consumado. Seria demissão sumária. Sem vídeo motivacional, sem dinâmica de grupo, sem apelação, nada, apenas uma conversa seca. Entrou na sala do Almeida com as orelhas murchas, já conformado com seu destino.

- Sabe o que eu vou fazer com você?
- Senhor, eu... eu posso explicar...
- Olha, vou ser bem direto, rapaz. Quero que você saia daqui voando.
- Tudo bem, eu me atrasei, mas é que, bem, o senhor não vai acreditar, eu acordei e, de repente, pam! Esse cabelo estranho apareceu bem na minha cabeça e...
- Temos uma reunião com investidores japoneses na semana que vem e não poderei comparecer, preciso levar minha nova namorada ao Playcenter, então quero que vá para Tóquio no meu lugar.
- ... está vendo? Bem aqui, ó... e não sai, está colado mesmo, parece que... o quê?!
- O que há com você, garoto? Está drogado?
- O senhor disse Tóquio?
- Sim.
- Eu? Substituindo o senhor? Em Tóquio?
- Exatamente. Algum problema com isso?
- Não, não, claro que não! Imagina! Na verdade esta é a chance que eu espero há anos. Mas, se o senhor não se incomodar, eu só queria saber: por que eu?
- Bom, andei observando você e fiquei bastante impressionado com seu...
- Com meu currículo?
- Não. Com seu cabelo. Aliás, meus parabéns. Um cabelo exemplar. Continue assim e você vai longe. Vejo um futuro brilhante para você e esse seu cabelo maravilhoso aqui dentro, meu rapaz.
- Obrigado, senhor, mas tenho que ser honesto. Esse cabelo não é meu. Na verdade, acho que é do Fábio Assunção e, sabe-se lá por que, apareceu hoje na minha cabeça.
- É mesmo? Pois na minha cabeça não nasce nada novo há uns trinta anos, no mínimo. Bom, a não ser chifres, não é? Ha ha ha.
- Ha ha ha.
- Está rindo de quê? Está sabendo de alguma coisa?
- Oh, não, senhor! Por favor...
- Escuta, você fala japonês?
- Hã... Não, senhor.
- Perfeito! Basta manter a boca fechada. Com esse seu cabelo espetacular, tudo ficará bem.
- Mas...
- E lembre-se: sorria e diga sempre “hai” e “arigato”, mas se alguém aparecer com uma garrafa de saquê, três pepinos inteiros e um pote de molho rosê, pule pela janela.
- O quê?
- Muito bem, filho, conto com você. O futuro da firma está em suas mãos.
- Pode contar comigo, senhor. O senhor não vai se arrepender, pode ter certeza.
- Só uma coisa me parece estranha, não me lembro de tê-lo visto por aqui antes. É novo na empresa?
- Mas, senhor, sou eu, o Oscar.
- Ah, sim, claro. Como fui esquecer? Bom, então seu voo é na quarta às dez, Ademar...
- É Oscar, senhor.
- Claro, claro. Boa sorte para você, seja lá qual for o seu nome. Agora, se manda.

No momento em que saiu da sala do Almeida, Oscar começou a se convencer de que alguma coisa muito estranha estava acontecendo. Era, sem dúvida, o poder misterioso do cabelo de Fábio Assunção. Depois de anos de humilhação, sendo motivo de chacota entre os moradores do prédio, entre os colegas de trabalho, entre as colegiais adolescentes, entre os atendentes gordos de padaria e até entre seus próprios parentes, aquela, como dizer, peruca mágica o estava içando a um nível superior, bem acima dos simples mortais. Teve certeza disso quando se viu envolvido numa troca de olhares com Janete, a monumental secretária do Almeida, linda, dona de um corpo magnífico, sobre o qual ninguém na firma ainda havia posto as mãos (nem o próprio Almeida). Mesmo já consciente de seus novos poderes, Oscar custou a acreditar que aquela morena vinha mesmo em sua direção.

- Oi, você é novo por aqui?
- Sim, quer dizer, não...
- Nossa, que cabelo bonito.
- Pois é... apareceu hoje de manhã.
- O quê?
- Nada, nada, esquece… eu não… bem…
- Você é bem tímido, não?
- N-não é bem assim… o que acontece é que…
- Adoro homens tímidos.
- Sou cem por cento tímido.
- Gostaria de tomar um café comigo?

Todos os caras do escritório ficaram de queixo caído. Janete não dava trela para ninguém e agora estava ali, com mão no cabelo do novato, bem no meio do escritório. Roeram-se de inveja, mas, no fundo sentiram-se até lisonjeados, afinal estavam perdendo a parada para um cara que, justiça seja feita, tinha um cabelo fantástico. E a juba era mesmo milagrosa: possuía beleza própria e, ao mesmo tempo, realçava os traços de Oscar, favorecia o desenho de seu rosto e ainda cobria suas orelhas de abano. Até seus olhos estavam ficando azuis. Não havia nem chegado à hora do almoço e já havia se transformado totalmente em Fábio Assunção. Depois do expediente, levou Janete para jantar e a teria levado para a cama na mesma noite, não fosse uma crise de princípios.

- Não quero me aproveitar.
- Ai, que sensível.
- Não seria justo enganar você, Janete. Não sou nada disso que você está vendo. Sabe, esse cabelo, por exemplo, não é meu.
- Sério?
- Sério. Este rosto não é meu. Nem esses olhos são meus, entende?
- Nossa, que profundo. Aposto que você estudou filosofia.
- Eu, bem, estou um pouco confuso. Viajo na semana que vem e, sei lá, pode ser que o avião caia e eu morra no Japão. E eu nem sei falar japonês.
- Realmente, seria uma descortesia.
- Não quero mentir para você, quero ser cem por cento sincero, entendeu?
- Que bonitinho.

Beijaram-se e Oscar deixou Janete em casa, apaixonada. Estava satisfeito com sua atitude, mas quase voltou para bater na porta dela quando pensou melhor e se deu conta de que morreria virgem se o avião para Tóquio caísse. Entretanto, o avião não caiu e Oscar voltou, uma semana depois. A negociação com os japoneses havia sido muito bem sucedida e, para seu espanto, havia se tornado uma celebridade nacional instantânea. Seu rosto estampava as capas de todas as revistas, nos programas de televisão e nos sites de fofoca não se falava de outra pessoa. Além de novo símbolo sexual, era apontado também como novo talento do mundo dos negócios, o executivo responsável pela megafusão de uma grande multinacional japonesa com a firma do Almeida, operação que influenciou até mesmo a cotação da bolsa de valores. E para conseguir tudo aquilo, Oscar só precisou usar o condicionador adequado.

* * *

Sua vida havia dado uma reviravolta. Chegava na firma à hora que bem entendia, recebia caixas de charuto de presente do Almeida, tinha sua própria sala e emendou em um tórrido romance com Janete. Já estava, inclusive, muito próximo de pegar em sua cintura. Na padaria, ninguém mais o chamava de Capota e, no almoço de Páscoa da família, foi tratado como rei. Sua mãe estava encantada e não economizava nos elogios.

- Não é lindo? E, além de tudo, rico, famoso e bem sucedido. Vou dizer uma coisa: não faço a menor idéia de como esse belo rapaz da TV veio parar em nosso almoço, mas estou adorando.

E o Almeida, que já temia perder Oscar para alguma grande empresa concorrente – ou para os fabricantes de xampu, que pretendiam pagar-lhe uma boa quantia para estrelar um comercial na TV – resolveu colocá-lo em uma nova grande negociação, desta vez com investidores finlandeses, em Helsinque. Se tudo desse certo, Oscar teria uma gorda comissão e consolidaria de uma vez por todas sua reputação. Desta forma, nunca pensaria em abandonar a firma.

Pouco antes da viagem para Helsinque, Almeida convidou-o para jantar. Pretendia pegá-lo de surpresa dando-lhe de presente convites para o cruzeiro “Emoções em Alto-Mar”, enviados pelo próprio Roberto Carlos. Foram ao Fullanu´s, restaurante da moda entre os executivos de sucesso, o Almeida com sua nova namorada (que estava achando tudo muito chato e preferia mil vezes estar no show do Jonas Brothers) e Oscar com a estonteante Janete (que estava achando tudo muito chato e preferia mil vezes ir direto para o motel). Beberam champanhe e comeram lagosta enquanto o Almeida relembrava episódios importantes de sua vida, como a vez em que prendeu acidentalmente sua gravata no colar de uma prostituta e quase morreu enforcado quando ela tentou enfiar a cabeça entre suas pernas. Então, ele pediu silêncio, pegou os convites do cruzeiro no bolso e, justamente quando ia fazer a surpresa, Oscar pediu licença para ir ao toalete. Almeida o teria demitido na mesma hora, não fosse ele sua galinha dos ovos de ouro. Além do mais, não se demite alguém com um cabelo daqueles.

Quanto a Oscar, estava bastante apertado, mas estava felicíssimo. Enquanto ia se aliviando no mictório, assobiava "Tempos modernos" de Lulu Santos, bem tranquilo. Até que notou pelo canto dos olhos uma presença estranha, do seu lado esquerdo. Era um negão alto e forte, que o encarava do outro lado do banheiro. Ficou calmo, não havia de ser nada. Mas, de repente, o negão foi chegando mais e mais perto e, antes que Oscar percebesse, estava sendo encoxado num canto. Sentiu um coisa dura espetar-lhe por trás.

- Epa, calma aí, meu amigo.
- Não se mexa.
- Que história é essa?
- Fique quieto. Preciso completar minha missão.
- Missão? Mas que missão? Quem é você?
- Meu nome é Zotar, membro da expedição científica Gama-Delta 23, a serviço da Confederação Intergaláctica de Sirius.
- Como é que é?
- Que saco. Como vocês são burros nesse planeta. A gente precisa ficar explicando as coisas o tempo todo. Vou resumir: eu sou um cientista espacial.
- Um cientista espacial?
- Sim. Bom, na verdade, meu grande sonho era ser um cabeleireiro espacial, mas sabe como é, família preconceituosa... Bom, acabei virando um cientista espacial da área de cosméticos.
- Sei, sei. Muito interessante. Olha, foi um prazer conhecer você, Zotar, mas, se não se importa, eu já vou andando.
- Fique onde está. Não me obrigue a usar o blush paralisante. Preciso completar minha missão e farei o que for preciso. Seu tratamento capilar espacial já está quase concluído.
- Tratamento capilar espacial?
- Isso mesmo. De onde você acha que surgiu essa cabeleira aí, queridão?
- Então foi você?
- Exatamente.
- Mas como...
- A coisa é basicamente assim: eu extraio uma amostra do código genético de alguém que tenha um cabelo fantástico, fabrico um super xampu antiqueda instantâneo e aplico em alguém que tenha um cabelo ridículo.
- Impressionante! Exatamente como eu imaginei!
- Sério? Você imaginou isso?
- Veja bem, não que eu esteja reclamando, ficou ótimo e tal. Agora, não sei se deu pra notar, mas eu me transformei no Fábio Assunção. Isso faz parte do tratamento?
- Na verdade, não. Isso foi um, digamos, efeito colateral.
- Efeito colateral?
- Olha, vou ser sincero. Naquela noite, tomei umas cervejas no bar do Freitas e acabei exagerando na quantidade de material a ser aplicado. Por isso você se transformou no Fábio Assunção.
- Pra mim está ótimo.
- Não é bem assim. Quando aplicada nestas proporções, a substância acaba rejeitada pelo organismo. Se não realizarmos a retirada do excesso imediatamente, todo o tratamento estará perdido e logo você voltará a ser o que era antes, inclusive com aquele cabelo ridículo.
- Entendo.
- Ótimo. Então vamos logo com isso que eu não tenho dia todo.
- Peraí, você vai usar esse tubo de metal aí, é?
- Vou.
- Isso é o que eu estou pensando que é?
- Depende. Se você estiver pensando numa sonda anal, é sim.
- Jesus Cristo.
- Qual o problema?
- Se o tratamento é no cabelo, por que diabos uma sonda anal?
- Veja bem, esse é um procedimento complexo demais para que sua mente terráquea compreenda. Mesmo se eu explicasse não ia adiantar. Então fique na posição de uma vez e não me faça perder mais tempo, sim?
- Por que tudo o que vocês extraterrestres fazem tem que ter sempre uma maldita sonda anal? Não pode ser um estetoscópio ou uma broca de dentista? Tem que ser tudo com uma sonda anal? Olha o tamanho desta coisa!
- Eu já usei em você antes e não me lembro de ouvir reclamações.
- Não seria por que eu estava dormindo?
- Posso bater com o tubo na sua cabeça, se preferir.
- Escuta, você enfiou isso aí no Fábio Assunção?
- Pode ter certeza, amigo. Mas fique tranqüilo, é uma dor suportável.
- Vamos deixar para outro dia, ok?
- Veja desta forma: acabamos logo com isso, eu levo o meu relatório para a Confederação Intergaláctica de Sirius, você fica com seu cabelo espetacular e ninguém toca no assunto de novo. O que me diz?

Oscar estava num impasse. Como se olharia no espelho novamente depois de ser trespassado por um tubo de metal de duas polegadas manuseado por um negão de um metro e noventa chamado Zotar? E se entrasse alguém no banheiro e visse aquilo? Pior, e se fosse o Almeida? Não que o Almeida fosse exatamente uma reserva moral, muito pelo contrário, mas tinha uma língua dos infernos. Todo o escritório já estaria sabendo de tudo antes que Oscar abotoasse as calças no banheiro e talvez a cidade inteira mesmo antes disso. Não. A sonda anal estava absolutamente fora de questão. Mas estaria disposto a abrir mão de tudo o que conseguira até ali? Será que não valeria a pena alguns minutos de humilhação pela felicidade de toda uma vida? Olhou para seu cabelo no espelho, olhou para o tubo de metal, olhou para o negão. Sua mente estava envolta em um turbilhão. Sentiu a boca secar, os olhos embaçaram, viu tudo ao seu redor girando e, de repente, soltou um grito.

- Nunca!

Empurrou o negão e saiu correndo do banheiro, antes que ele pudesse usar o blush paralisante. Despediu-se rapidamente do Almeida e das duas gatas, pegou um táxi e foi embora às pressas, deprimido com seu cabelo, que já começava a se desintegrar. Quando chegou em casa, já era o velho Oscar, com o mesmo penteado ridículo de sempre e a mesma cara de panaca. Dormiu mal. No dia seguinte, chegou cinco minutos atrasado na firma e foi demitido.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Dividindo a Culpa

Já aprontei muita merda andando com o Brunin Falabella, mas nenhuma delas chegou a esse nível de fajutice. O roteiro e o personagem são dele. Eu só executei o trabalho sujo - aliás, bota sujo nisso.



terça-feira, 2 de junho de 2009

Bizarrice Fina


Fiz esse desenho aqui...

... e esse outro...


... para ilustrar uns contos no blog do Léo, figura que é um misto de Edgar Allan Poe, Olavo Bilac e Ronald Mc Donald.

A primeira ilustração foi para uma peculiar história de amor chamada "A Marquise" e a segunda (com colorização em tons de cinza by Pedrin, que também bolou o lay-out sinistro do blog), foi para um dos contos da série "Parábolas Modernas", chamado "O Filho Pródigo".

Não que uma recomendação minha valha alguma coisa, mas o blog todo é bem legal. Bizarrice das finas.